Demasiado silêncio a partir de agora

Encontraram-te na boca do vosso inimigo natural, o Boris, o cão dos meus primos.
Tiveste sorte, antes que ele te fizesse em pedacinhos, foste acolhida por um casal de velhinhos, deram-te comida, cama, carinho, saúde, mas como arisca que eras poucos te punham a mão, além de mim. Sem medos deixavas-te levar pelos meus doces e carinhosos modos, massajava-te o pescoço, coçava-te o queixo, brincava contigo, pegava-te ao colo e sim exibia-me pois era a única que o conseguia fazer.

A partir de ti lembrei-me da minha Bésita, arisca como tu, livre, selvagem, independente, dura, !
Era ela assim, eras tu assim, e é assim que eu vos amei e amo.
Para uns eras apenas um brinquedo com pernas e muito pelo, para outros um animal igual todos outros, mas nós … nós amávamos-te. Eras a alma daquela casa, eras a criatura que me acordava as 6h da manha a miar, eras aquela que se metia dentro da cama aos meus pés e ronronavas como se não houvesse amanhã.
E não, não houve, sempre foste curiosa, apanhas-te uma fraga na janela de rede e fugiste, foste expulsa do território do Gato preto e voltas-te magoada, exausta, aterrorizada.
Não sabíamos o que tinhas, todo o teu corpo gemia, doía, mal te mexias, fiquei noites a olhar para ti e a desejar que te curasses. A cada bombear de sangue, a cada expiração e inspiração ficas-te ofegante, já não saltavas, já não andavas, apenas … rastejavas. Quando dei por mim, o quarto estava demasiado silencioso, já não se ouvia Kitty em lado nenhum. Procurei por ti, chamei pelo teu nome, … encontrei-te.
Estavas deitada como se a dormir estivesses, de olhos abertos, vidrados na parede amarela, sem respirar, sem fazer um único movimento, estavas morta.

Não quis acreditar, gaga fiquei com a surpresa, a dor tomou posse de mim, as lágrimas caiam como se á chuva estivesse, acordei os meus ancestrais e informei-os do sucedido por palavras cortadas a meio pela respiração ofegante e soluços.
Aquela casa já não é o mesmo, não ouço as tuas patinhas no azulejo, as tuas unhas no sofá, o teu ronronar no meu cobertor, estamos sozinhos, está demasiado silêncio.

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